O vilão que se tornou herói

Sr. Burns deixou de ser o símbolo dos males da energia nuclear
Mr. Burns: o símbolo máximo dos males da energia nuclear


O que pode nos salvar do aquecimento global ... a energia nuclear


Viver é usar energia. Sem ela, o mundo "apaga".

As crises mundiais do petróleo, na década de 1970, são um bom exemplo de como a dependência de uma fonte de energia pode mudar o curso da história. A alta do preço do barril em 1973 e 1978 por causa dos conflitos no Médio Oriente interrompeu o mais virtuoso ciclo de crescimento que o Ocidente vivera no século 20. Sem energia, "os preços ficam mais caros", os investimentos escasseiam e os pobres continuam pobres.

Para se salvar desta estagnação, o ser humano criou várias maneiras de captar energia da natureza. De todas, as Centrais nucleares são sem duvida as mais polêmicas. Nenhuma forma de energia tem um passado tão horrível. A fissão nuclear é a tecnologia que gerou as bombas de Hiroshima e Nagasaki (pelo menos 130000 mortos em poucos segundos em 1945), que deixou o mundo a tremer de medo de uma destruição total durante a Guerra Fria e que, em 1986, matou 32 operários no acidente de Chernobyl. Na ocasião, a radioatividade espalhou-se com o vento para a Rússia e atingiu até regiões distantes como a França e a Itália. Estima-se que pelo menos 4 000 pessoas, segundo a ONU, ou 200 000, segundo o Greenpeace, tenham sido vítimas de doenças provocadas pela contaminação, como o cancro da tiróide

Apesar de hoje se saber que o acidente foi provocado por falhas humanas grosseiras nos procedimentos básicos de segurança e até mesmo por erros no projeto dos reatores, Chernobyl fez a energia nuclear ser sinônimo de desastre e destruição. Grupos ambientalistas fizeram dela seu principal inimigo. A energia nuclear ficou tão associada ao mal que, poucos anos depois de Chernobyl, quando o desenhista Matt Groening criou o personagem Mr. Burns, o vilão de Os Simpsons, deu-lhe o trabalho mais odioso da época: dono da Central de energia nuclear da cidade de Springfield.

Mas os tempos mudaram. Enquanto as Centrais nucleares avançaram em segurança e controlo dos resíduos radioativos, o mundo passou a sofrer com o gás carbónico emitido pelas fontes tradicionais de energia, como o petróleo e as Centrais termoelétricas a carvão. Num mundo em que o aquecimento global é o grande problema, especialistas em energia estão a fazer perguntas incómodas para muitos ecologistas: será que a energia nuclear, apesar de todos os riscos e dos resíduos atómicos, não teria sido uma alternativa menos danosa ao meio ambiente do que as fontes que libertam gases causadores do efeito estufa e que colocam em risco todo o planeta? E mais: será que a Terra tem tempo para esperar por fontes alternativas como a solar e a eólica?

Eles mudaram de idéia

"Não", diz o cientista britânico James Lovelock, professor da Universidade de Oxford, considerado o pai do movimento ambientalista por ter criado a Hipótese Gaia, teoria que inspirou milhares de ecologistas e cientistas na década de 1970 com a idéia de que a Terra é um organismo vivo. Em seu último livro, A Vingança de Gaia, esse senhor de 87 anos defende abertamente a expansão da energia nuclear para evitar que o impacto do aquecimento global seja ainda mais devastador. Lovelock diz que, enquanto muitas pessoas continuavam amedrontadas diante das centrais atómicas, o aumento da emissão de dióxido de carbono na atmosfera teve um efeito muito pior, colocando o planeta agora à beira de uma catástrofe climática.

"Por ser velho o bastante, posso notar uma forte semelhança entre a atitude de mais de 60 anos atrás diante da ameaça da 2ª Guerra e hoje em face da ameaça do aquecimento global", escreveu Lovelock. De acordo com ele, assim como a Inglaterra demorou para agir diante das investidas de Hitler em 1938, boa parte do mundo continua a acreditar em tratados como o Protocolo de Kyoto - compromisso de vários países para reduzirem as suas emissões de carbono -, que, segundo Lovelock, não passa de uma forma política de os governantes ganharem tempo enquanto não sentem na pele a verdadeira dimensão do problema.

Lovelock acha que está na hora de aperfeiçoar a revolução energética ocorrida há cerca de 250 anos que, mais tarde, seria conhecida pelo nome de Revolução Industrial. Até o final do século 18, a principal fonte de energia na Terra era a força dos animais, do vento ou dos fluxos de água que impulsionavam os moinhos. Foi então que um engenheiro escocês chamado James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor - e o resto da história o mundo já sabe: entramos na era industrial.

A revolucionária máquina de Watt funcionava de uma maneira simples: ao queimar lenha ou carvão numa fornalha, o vapor condensado era aproveitado para produzir pressão e movimentar uma engrenagem. Com esta idéia, passamos os últimos dois séculos a queimar combustíveis fósseis (carvão, gás, petróleo e seus derivados) para gerar energia. E não estamos a falar apenas da energia dos motores dos automóveis, jactos e máquinas industriais. Hoje, nada menos que 66% da energia elétrica de todo o mundo tem origem na queima desses combustíveis nas Centrais termoelétricas.

Acontece que há pelo menos 3 décadas os cientistas sabem que os gases libertados por essa queima, como o dióxido de carbono, estão a mudar o clima do planeta. Para muitos ambientalistas e climatologistas, já passou a hora de acabar com esse ciclo de queima de combustíveis fósseis. "Quaisquer que sejam as incertezas sobre o clima futuro, não há dúvida de que tanto os gases de estufa como as temperaturas estão aumentando", diz Lovelock.

Ele não é o único a "virar a casaca" e a saltar para o lado das Centrais nucleares. Em 2003, após avaliar e pesquisar dados sobre o tema, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, EUA, recomendou a expansão da energia nuclear por acreditar "que essa tecnologia, apesar dos desafios que enfrenta, é uma alternativa importante para os EUA e para o mundo prover suas necessidades energéticas sem emitir dióxido de carbono e outros poluentes na atmosfera". Até um dos fundadores do Greenpeace, Patrick Moore, passou a apoiar a energia tirada do núcleo dos átomos. "Trinta anos depois, minha visão mudou. E acho que o movimento ecológico como um todo também deveria actualizar a sua visão sobre o tema", afirmou ele num artigo no Washington Post no ano passado.

A consagração da energia nuclear como uma boa alternativa veio em maio, com o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU criado para ser a autoridade mundial em aquecimento global. O IPCC é claro ao afirmar que a energia nuclear é fundamental para o planeta deixar de aquecer. "Os países devem centrar- se em sistemas de energia que não emitam carbono, como energias renováveis e nuclear", afirma o relatório.

Problema de imagem

O que leva pesquisadores sérios a defender um antigo vilão da ecologia é que, nos últimos anos, essa tecnologia mostrou ser muito mais segura e pacífica do que a opinião pública imagina. "A maioria das pessoas que tem uma visão negativa sobre a energia nuclear aponta sua ligação com as armas nucleares e enxerga tudo como parte do mesmo mal", diz William Nuttal, professor de engenharia da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e autor do livro Nuclear Renaissance ("Renascimento Nuclear").

"Em defesa desse argumento está o facto de que, sem o empurrão inicial para a construção das armas nucleares nas décadas de 1940 e 1950, o desenvolvimento da ciência nuclear para o uso civil não seria possível." É difícil negar que nenhuma estratégia de marketing pode ser tão má para uma tecnologia como as bombas que caíram nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Mas repudiar a energia nuclear pelo seu passado negro talvez seja tão absurdo quanto banir os aviões pelo simples facto de que eles também são usados para a guerra.

Na prática, a central nuclear funciona como uma termoelétrica . Produz electricidade a partir do aquecimento de água, cujo vapor pressurizado move turbinas para a produção de eletricidade. A diferença está no combustível usado. Enquanto em termoeléctricas tradicionais queima-se carvão para que o vapor movimente as turbinas - libertando enorme quantidade de dióxido de carbono na atmosfera -, nas nucleares usa-se o urânio enriquecido, já que o mineral é processado para que a fissão nuclear liberte mais energia. É durante esse processo que pode ocorrer um acidente grave: caso o reactor nuclear superaqueça com uma liberação descontrolada de calor, as paredes protectoras podem derreter e libertar radioactividade.

Acontece que, apesar de graves, os acidentes nucleares são muito mais raros e causam bem menos mortes do que se costuma imaginar. A indústria nuclear gaba-se de ser um dos sectores mais seguros para trabalhar. Em 2005, estatísticas do equivalente ao Ministério do Trabalho nos EUA revelaram que é mais seguro trabalhar numa central nuclear do que na maioria das fábricas, na construção civil e até no mercado financeiro. Se a comparação levar em conta a cadeia de produção de energia em minas de carvão e poços de perfuração de petróleo, o número de mortes em acidentes nucleares é estatisticamente insignificante.

O que correu mal em Chernobyl?

Isto porque a tecnologia actual permite que os novos reactores sejam bem mais seguros dos que os construídos no passado. O reactor de Chernobyl, por exemplo, funcionava num edifício comum, sem proteção especial, e tinha grafite entre os seus componentes, elemento que entra em combustão quando aquecido demais. Hoje, uma série de novos dispositivos tecnológicos interrompe automaticamente as operações capazes de colocar os reatores em risco.

Além disso, assim como acontece com a aviação civil mundial, os procedimentos de segurança da energia nuclear seguem protocolos rígidos que são alterados à descoberta de qualquer vulnerabilidade. "Se é identificada uma falha num reactor em França, toda a indústria tem que incorporar novos procedimentos", diz o físico Odair Dias da Costa, presidente da Comissão Nacional de Energial Nuclear, autarquia do governo federal que tem o monopólio no Brasil da mineração, produção e comércio de materiais radioativos. "Sinceramente, não conheço outra área no sector da energia com o mesmo padrão de segurança."

Os pesquisadores costumam comparar a reação da opinião pública em relação à energia nuclear com a diante de acidentes aéreos. Por mais que se saiba que, estatisticamente, voar é mais seguro do que viajar de automóvel, a dimensão da queda de um único avião é suficiente para aterrorizar a opinião pública por anos. Como exemplo, tente imaginar como seria a reação pública brasileira e mundial caso o acidente na plataforma de petróleo da Petrobras P-36, que matou 11 pessoas e afundou R$ 1 bilhão no oceano Atlântico, em 2001, tivesse ocorrido nas Centarais Angra I ou Angra II. Difícil acreditar que a reação teria sido a mesma, não?---> Ver noticia original

Fonte:http://super.abril.com.br


1 comentários:

Ricardo S. Coelho disse...

Espantosa a quantidade de barbaridades condensadas num só texto. Aconselho uma leitura atenta deste estudo: http://www.keystone.org/spp/energy07_nuclear.html
Nele se diz que, para a energia nuclear ser um instrumento de combate às alterações climáticas, temos que construir 14 novas centrais todos os anos durante os próximos 50 anos. Fácil, não? Ah, também há o problema dos resíduos. Precisaríamos de mais 10 mega-lixeiras nucleares iguais à projectada para a Montanha de Yucca para armazenar os resíduos radioactivos. Estamos a falar em gastar biliões do dinheiro dos contribuintes na aplicação de uma tecnologia cuja eficácia nunca foi demonstrada na prática. A verdade é esta: apesar de toda a retórica estamos practicamente no mesmo ponto em que estávamos há 50 anos no que toca ao tratamento dos resíduos nucleares. As experiências de reciclagem foram um desastre e os cemitérios nucleares surgem agora como a grande solução. Mas é claro que ninguém pode garantir que serão seguros durante os 100000 anos que dura a radioactividade.
Quanto à segurança, uma leitura mais atenta das notícias demonstrará que Chernobyl apenas se destacou pelo impacto. Todos os anos há dezenas de incidentes em centrais. Ainda há pouco uma central na Suécia teve um acidente grave e por pouco não tivemos um novo Chernobyl. Já no Japão, ainda estamos para saber o impacto do terramoto. Se o nuclear fosse assim tão seguro não haveria todo este esforço para esconder esta informação.
A comparação com o desastre na Petobrás é igualmente absurda. O petróleo não contamina os oceanos durante 100000 anos. É como comparar Pearl Harbor a Hiroshima. Que eu saiba, não nascem crianças deficientes hoje nas redondezas de Pearl Harbor...
1 nota final: Patrick Moore não é só defensor do nuclear. Também defende a exploração da madeira da Amazónia, a pesca intensiva e a engenharia genética. Ou seja: defende tudo o que os seus opositores defendiam no tempo em que estava na Greenpeace. Quando se vai buscar vira-casacas para fundamentar uma opinião a coisa está preta.